Creio que se pode situar na Grécia
Clássica o início do conceito de ordenamento urbano que foi adquirindo
diferentes concepções ao longo da história em que homens não pararam as guerras
de conquista territorial, fazendo desaparecer cidades e outras reconstruídas,
até haver mais estabilidade sobretudo no desenho de fronteiras físicas.
Por outro lado várias circunstâncias de
natureza climática, em regiões de clima desértico, faziam afluir aos centros
urbanos os habitantes dispersos, sobretudo porque, embora frequentemente
captada a muitos quilómetros de distância, era nas cidades que se tinha acesso
à água provocando explosão demográfica e de centros de comércio e cultura.
Também as
guerras mais recentes da Idade Média obrigaram à construção de edificados
densos e tortuosos dentro de muralhas, o mesmo sucedendo com as duas guerras
mundiais em que cidades inteiras foram quase totalmente destruídas, mas logo
levantadas como na europa central, levando a recuperação já com novos conceitos
de ordenamento também humano contando com a existência do automóvel e com áreas
para uso exclusivo de peões e geralmente áreas de comércio e de cultura.
Esse conceito viria, porém, devido ao
fenómeno da industrialização no fim do séc. XIX, a ser revisto, considerando-se
a partir daí o mais moderno conceito de ordenamento urbano sendo o mais
referido o arquitecto Nash que executou o Great
Plan de Londres, contemplando
alteração e evolução das funções da cidade, e tal que surgiriam novos conceitos
e designações de cidade, a cidade-satélite e cidade-nova e mesmo a Cidade Nova
industrial, uma das designações mais modernas centrada nos aspectos de
funcionalidade especificamente industrial, da mesma forma que novas cidades
apareciam centradas essencialmente na função administrativa, como é o caso de
Nova Delhi e de Brasília, tendo esta também a função de "povoamento"
do interior brasileiro - o planalto do Serrado, situação que entretanto
provocou grandes dramas humanos e sociais porque "a família foi forçadamente
separada" do Rio de Janeiro (já segunda capital -1ª. capital
Olinda-Recife) para milhares de quilómetros de distância alterando
drasticamente a vida quotidiana por terem de deixar para trás a maioria dos
familiares, vizinhos e amigos e mesmo ambientes e hábitos.
Ao visitar a cidade de Brasília por duas
vezes, com 10 anos de distância, a cidade fantasmagórica e triste, da primeira
visita com áreas ainda em construção, era ao fim de 10 anos muito diferente
porque as árvores já tinham algum porte, outras plantas ornamentais cresciam e
floriam nos jardins e, sobretudo, já tinham também nascidos crianças.
Em paralelo, nos arredores, a cidade de
barracas dos trabalhadores da construção de Brasília tornou-se uma "cidade
paralela" onde ficou grande parte dos operários e que foi crescendo, e
embora sem estrutura urbana organizada, parecia "mais humana" porque
a cada passo se podia parar num restaurante, ou encontrar um amigo e beber um
cafezinho mesmo ali ao lado, ou simplesmente parar numa rua de dimensão
"normal" e conversar ou, ainda, parar e olhar quem passa.
Com o Plano de Londres preservar-se-ia o
núcleo urbano antigo e denso, centro a partir do qual "nasciam"
vários círculos concêntricos onde se construíam controladamente a Cidade Nova
ou Cidade Satélite, mas integrando todos os palácios e parques e Jardins, e
área agrícola, nascendo, assim, igualmente, o conceito de "green belt",
conceito que mais tarde transmigraria para Paris com as cidades de "banlieu" e a sua "ceinture verte" abrangendo o Bois de Boulogne, o Bois
de Vincennes, Saint Germain-en-Laie, e Buttes-Chaumont entre outros.
Este conceito foi igualmente adoptado por
Moscovo e pretensamente em Lisboa mas sem qualquer sucesso porque em quase
todas as "quintas" e palácios com espectaculares parques e jardins de
Benfica e Loures, Caneças e Lumiar, se construíram urbanizações sem qualquer
plano de ordenamento urbano e viário. O que eram belíssimas áreas das franjas
de Lisboa, constituindo hoje contínuo-edificado inimaginavelmente caótico e de
mediocridade total a atestar o que sobretudo a partir dos anos 70 sucedeu à
cidade organizada e bela para habitantes orgulhosos do seu burgo o que, por sua
vez fez derrapar para o actual desmoronamento dos sujos bairros, alguns ainda
em precário equilíbrio de desenho e estética, mas que dentro em muito poucos
anos ficarão não apenas descaracterizados em termos da qualidade de ambiente e
silhuetas, mas também com densidade de ocupação decuplicada.
Desta área de enlouquecimento e total
descontrolo urbano e viário resta, em Lisboa, isolado como uma ilha, o Palácio
do Marquês de Fronteira e Alorna e o seu belo parque e jardim, quase a única
memória a atestar como foi toda a área envolvente da cidade que podia ser posta
em paralelo com outras capitais europeias.
Em Portugal poderemos dizer que o
conceito de cidade nova faria o seu primeiro ensaio no fim dos anos 60 do
século passado com projectos do Gabinete Técnico de Habitação (GTH), com os
Olivais Norte e Sul, com algumas ideias concretizadas em Chelas e, depois, com
a Cidade Nova de Santo André, integrada no Plano de Sines do início dos anos
70, que não é no entanto nenhum exemplo de bom planeamento nem de desenho ou
estética urbana, salvando-se no entanto o então construído – um dos 3 grandes
parques programados – Parque Central de 11 hectares, único espaço público para
uma área urbana programada para 40 mil habitantes. Com a extinção do Gabinete
da Área de Sines que detinha a administração de 84 mil ha, a expansão urbana
posterior "não fez história."
O Grande Plano de Londres de Nash
determinava que o contínuo urbano integrasse harmoniosamente o contínuo natural
envolvente. Mas "reza" a história das cidades novas e seus
habitantes, que não é grande o agrado desses habitantes mesmo nas mais antigas,
como é o caso das de Inglaterra, e muito menos das de França e perguntemos
porquê: porque nem em todas existe urbanismo e desenho de arquitectura de
qualidade.
Sem ter apropriado conhecimento académico
ousarei dizer que a "arquitectura" do início do século XX ousou tanto
em materiais e cores que se distanciou das imagens-memória dos homens e em vez
de tranquilidade e paz, pelo menos para o "olhar", se impôs pelo
negativo.
As fachadas de cada rua, seus materiais e
cores, determinam, frequentemente, comportamentos inconscientes de mal-estar
crescente, fazendo dessas cidades-novas locais de morar mais do que habitar e
tornam-se focos de tensões, sendo que os habitantes vivem em constante
comparação com a humanizada e urbanisticamente aconchegada imagem-tipo dos
antigos núcleos citadinos.
Mas para já são áreas onde não há turismo
nem interno nem internacional por não haver algo de profundamente atractivo e
poderemos eventualmente dizer que, por exemplo, a recente Casa da Música do
Porto passou a ser um das razões de passear pela Av. da Boavista e ir
descobrindo melhor essa via da cidade que é, essencialmente, um acesso viário
ao centro da cidade.
Se tentarmos avaliar a qualidade do
ambiente urbano no mundo antigo, não será fácil fazer paralelo com o de hoje,
sobretudo porque a civilização industrial trouxe problemas difíceis de
conciliar com a vida normal dos habitantes, mas trouxe porém a tecnologia para
lhe dar soluções ligadas à distribuição generalizada de água e de
electricidade, ao saneamento básico e ao tratamento de efluentes urbanos e
industriais, para além de novos materiais e diferentes técnicas construtivas,
algumas que hoje se procura recuperar quando se trata de restaurar centros
urbanos históricos que também "não resistem" aos materiais actuais
como o betão e o cimento, embora este material já tenha sido inventado e
utilizado na Roma Antiga, mas com características diferentes.
Também,
praticamente até à era industrial, as cidades eram de pequena ou média dimensão
pelo que o campo e a natureza estavam ali, às “portas” da cidade, ou ao alcance
da vista do alto das muralhas que se debruçavam sobre o campo envolvente onde
habitavam os rurais que ainda não se tinham deslocado, maciçamente, para as
periferias das cidades onde começavam a instalar-se unidades fabris.
É entretanto considerado que as cidades
abrigando à volta de 40 mil habitantes são as mais importantes porque
solidificaram a civilização, sendo a mesma a raíz (grega) das palavras cidade e
civilização.
Mas
pode-se reportar também à antiguidade a semente do saneamento com a existência
de esgotos urbanos e com a condução de água aquecida para as habitações das
populações privilegiadas, para além da existência das termas e banhos públicos,
sendo que as águas minero-medicinais eram consideradas dádiva dos deuses na
Grécia e Roma Clássicas, bem como havia os espaços Públicos como a Ágora dos
gregos, e o Fórum romano, locais de excelência do encontro, sem que tivessem
sido esquecidos os locais de recreio em honra dos deuses como os estádios para
os Jogos Olímpicos e Píticos, ou os espaços culturais representados pelos
teatros e, ainda, para a população em geral, como o Coliseu de Roma dopanis
et circus, situação que é hoje motivo de peregrinação turística pelos
países que não destroem as memórias do passado, mesmo que em ruínas; sendo
também, em tempo de Páscoa, o percurso papal de celebração das 14 estações –
caminho de Jesus Cristo até ao Monte das Oliveiras (Calvário) quando da sua
Crucificação .
Mesmo em ruínas os locais são muito
procurados como é o caso do Fórum da cidade de Roma, mas nada se procura numa
Cidade Nova ou em Benfica, a não ser por razões de visita técnica de um grupo
profissional.
E se pareceria que a classe profissional
dos arquitectos poderia desenhar e construir de raiz e de desenho super-moderno
o espaço para instalação da sua associação profissional, é curioso notar,
entretanto, que Associação Nacional dos Arquitectos se instalou nos Banhos de
São Paulo e que, pelo menos no bairro de Alcântara, existe ainda e bem
conservado e em funcionamento o edifício dos Banhos Públicos, ideia que não
morreu passados pelo menos dois milénios e que renasceu com o termalismo dos
centros mundanos mas igualmente de carácter medicinal, sendo a estância termal
portuguesa mais antiga (também da Europa), a das "Caldas" da Rainha,
fundada pela rainha D.Leonor.
Esta situação iria ser a semente de onde
nasceu e cresceu uma cidade de grande valor arquitectónico, histórico e
cultural, com a sua agradável Praça Central (Fórum), de belo e antigo pavimento
de vidraço, no coração da cidade, que é mercado de manhã e local de passeio de
tarde, à volta da qual se desenvolve a área urbana que possui um grande parque
com árvores já centenárias que resistiram ao grande vendaval de 1942, murado e
com gradeamento de ferro fundido e de belo desenho antigo, situado mesmo numa
das entradas da urbe e que remata a cidade relativamente ao campo e ao qual
fica adjacente a mata onde anualmente se realizavam famosos concursos hípicos
internacionais.
As Caldas da Rainha de Bordalo Pinheiro,
foi cidade-abrigo de muitos refugiados da II Grande Guerra, que adoptaram este
país como seu, e de onde derivaram muitas famílias portuguesas, como se esta
cidade contasse histórias do país e do mundo, tendo ainda sido, nos anos 40 e
50, local de veraneio dos lisboetas, porquanto, para além da beleza e
cosmopolitismo, abertura social e desenvolvimento, se situa na vizinhança
próxima de muitas praias, sobretudo a da Foz do Arelho e de São Martinho do
Porto, e não era ainda hábito, em Portugal, a procura da praia nem em férias
nem sequer em fim-de-semana, o que me permitiu, ao vir para Lisboa, verificar a
total paisagem "selvagem" e magnífica das praias de areais intocados,
que envolvem a "Lisboa da Outra Banda" e mesmo as da Linha do
Estoril, apesar da existência de todas as vilas e aldeias construídas à
beira-rio e beira-mar até Cascais, já que a "Riviera Portuguesa" data
apenas do início do séc.XX e que em minha opinião rivalizava, ainda nos anos
70, em qualidade e beleza com a Riviera Francesa, como se, nesse início de
século, a qualidade de construir à beira-mar tivesse idêntica qualidade e
preocupação de diálogo terra-montanha-mar e até formas arquitectónicas
próximas.
Note-se
entretanto que o "hábito de férias", excepto as escolares, também é
bastante recente e sobretudo para as classes mais ricas, o subsídio de férias
só foi instituído em 1936 em França e só no fim do séc. XIX se instaura o
conceito de férias de beira-mar, mas apenas por razões de saúde e, quanto a esta
situação lembremos o grande filme italiano “Morte em Veneza” do realizador
Visconti, que retrata bem essa situação.
Sempre a Natureza esteve presente e perto
do olhar do homem, mesmo a mais delicadamente construída em situações
singulares desde os Jardins de Smiramis ou Jardins Suspensos da Babilónia,
porque o homem nunca se divorciou da beleza a que ligava sempre a sua vida às
dádivas celestes.
Também os Jardins Bíblicos do Éden ou do
Paraíso têm sido objecto de interesse da arqueologia, afirmando-se que se
situariam na região onde se implantou a primeira cidade de Ur na Caldeia e onde
nasceu a "escrita", onde teve origem a Civilização de onde viemos,
onde Noé teria construído a Arca e São Pedro rezou, onde teria existido a Torre
de Babel e por onde passaram Abraão e Rebeca mulher de Isaac (Nahor), onde
teriam nascido os Reis Magos, essa fértil Mesopotâmia entre o Tigre e o
Eufrates, também denominada Babilónia "Império do Homem" em que
reinava Nabucodunosor.
Na Bíblia Iraque significa Terra de
Shinar e Terra de Raízes Profundas, zona da terra actualmente denominada Iraque
como tendo sido o centro do início mais recuado da Civilização do homem, berço
civilizacional que os homens não têm a menor relutância em tentar apagar do
mapa, por não saberem que valor tem a memória dos homens e como a conservar ou
e re-construir em vez de, simplesmente, dizimar.
A natureza esteve sempre presente e às
portas da cidade, como é o caso do local onde Cristo meditou antes de ser
crucificado: o Monte das Oliveiras.
Lisboa – Bairro de Santo Amaro e Olivais
Norte – Encarnação
Maria.Celeste.d'Oliveira.Ramos
com a colaboração e imagens de António
Baptista Coelho
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