20 março 2019

A CIDADE E O EQUINÓCIO DA PRIMAVERA

A CIDADE E O EQUINÓCIO DA PRIMAVERA
É dito que de uma gigantesca nuvem rodopiante e formada por poeiras cósmicas e gases que se contraiu, dela saiu, há 4600 milhões de anos, destacada e bem estruturada, uma pequena estrela rodeada de outros corpos celestes que foi denominado sistema solar. Essa estrela que dá energia global ao planeta que habitamos pesa mil vezes mais do que os 10 planetas que giram à sua volta e tem a força gravitacional que determina as suas rotas com grande precisão.
A esse ponto minúsculo do universo, pertence um outro, o planeta Terra em que apenas na sua superfície – a crosta terrestre – habita vida desde há 4 mil milhões de anos, possível depois da formação da atmosfera há 2500 milhões de anos e dos mares onde nasceu a primeira centelha de vida.
Então algures na crosta terrestre um animal de 4 patas se levantou e passou a erectus e do que descendemos e que a partir dessa "verticalidade" emergente continuou a evoluir desenvolvendo a sua caixa torácica para melhor respirar e, sobretudo, emitir outros sons até aí nunca emitidos e que a pouco e pouco se transformaram em "palavra", primeiro oral, mas que só muito mais tarde ganharia a forma escrita iniciada em pequeninos quadrados de barro onde imprimia caracteres, espécie de primeiro "livro" onde definiria o seu quotidiano tendo passado assim a comunicar de forma mais perene e a transmitircultura e civilização.

Que longe fica sem sermos capazes de ter consciência desse tempo-quantitativo decorrido para que pudéssemos imaginar ter nascido desse pontinho do céu e aterrado sobre Terra firme para aprender a comunicar com os outros homens sobre o que se "via e sentia" nessa dimensão primeira e que, afinal, é a mais importante descoberta do homem, que sucedeu apenas há 6 mil anos, a escrita, já depois da descoberta do fogo e da roda, como se parecesse uma história de total ficção, masque não é.
Tempo-luz que o céu levou a manifestar-se para preparar a vinda do homem e os instrumentos para comunicar entre si e com os deuses. Para agora vermos que tão curta é a vida do homem, distinto dos outros seres vivos habitantes que o precederam para que pudesse existir e viver no Planeta que se engalanou em festa com todos os bens necessários para com suas mãos e inteligência tomar conta da sua “casa-terra."
Depois do trabalho dos deuses pôs-se o homem a construir cidades cada vez mais evoluídas e belíssimas paisagens que "arrumou" a seu jeito observando a plenitude da natureza e tratou, também, de melhorar a qualidade da sua vida, aumentando o conforto e bem estar, cultura e recreio, e tempo, pois que também ordenou o tempo para que fosse mais coerente o uso que dele fazia para executar as tarefas com que se foi comprometendo.
E deste tão devagar de toda a evolução, bem depressa esqueceu de onde e como veio e onde chegou, desligou-se do tempo e do modo e fez imperar sobre a Terra – e os homens – as suas leis inventadas e que, quase do dia para a noite se viraram contra a Terra e todos os habitantes viventes, porque, arrogante, deixou de querer ouvir os "sinais" e delineou outro rumo para todo o seu percurso evolutivo; e, curiosamente, sabendo o que faz e tendo total consciência que destrói esse milagre da vida de que é feito, bem como a sua morada.
De entre esses "sinais" destacam-se como mais óbvios e reguladores da evolução da vida global, os solstícios e equinócios, relação mais íntima, como que visceral, e casamento indissolúvel do Sol e da Terra.
No dia 22 de março de 2006 às 11.57 h o Sol no seu movimento aparente é observadofrente ao grau zero da constelação de Carneiro, hora em que cientificamente está estipulado o início do equinócio da primavera, também denominado o início do ano astrológico e que coincide, especialmente no ocidente, com o ano civil actual, relógio cósmico adoptado para gerir os gestos dos homens em todas as latitudes
Por esta razão todas as criaturas nascidas ao longo de um mês pertencerão a este signo e pelas suas energias celestes serão regidas, independentemente de suas crenças, mais do que as que nasceram noutro mês do ano, influenciados pelo Sol e pela Lua e por todo o universo que nos serve de proteccão – chapéu estrelado que abriga o mundo, que serve de "relógio e de memória" para mudarmos os nossos ritmos e atitudes
Da mesma forma é assim influenciada a Terra que revestirá, mais uma vez, as característica do tempo equinocial de um renascimento de toda a vida da natureza animal e vegetal e que, como sempre, se repercute no comportamento físico e psíquico do homem e das suas actividades laborais e económicas e até de férias, muito embora tenha sido em pleno Inverno a demanda das Amendoeiras em flor no Algarve e em Trás-os-Montes em espécie de peregrinação panteísta que a natureza convida a fazer e a que se responde "naturalmente."

Se no equinócio do Outono foi tempo das últimas sementeiras para aproveitar o que resta de água no solo e de fertilidade, quando as folhas caíram e se desnudaram as plantas perenes que atapetaram o chão de todas as cores de oiro e cobre, desenvolvendo-se em húmus antes que a terra arrefeça com o frio do inverno e da neve, porque já esgotara no Verão o máximo da água que continha.
E assim também se iniciará agora o tempo de novas sementeiras de Primavera, mas em que, opostamente, a terra atingirá o máximo de armazenamento de água invernal reaparecendo o calor que se inicia em cada Primavera para que mais tarde se possa tudo repetir e colher os frutos culminantes no Verão, mas depois de passar pelo esplendor de MAIO (e tempo de Nª. Senhora e de Luz de Buda), em que toda a terra estará no máximo de generosidade de água no solo e fertilidade da terra, e de floração a anunciar os frutos e também as sementes para o Verão e que, uma vez ainda, voltarão a cair na terra, num eterno retorno de vida.
Também o céu cinzento dará lugar a céu mais limpo e azul, o Sol estará mais alto e dará mais calor, haverá mais luz e as nuvens terão novas formas de branco imaculado de cúmulos a anunciar, também, mudanças.
Não há sol como o de Maio
nem luar como o de Janeiro
nem cravo como o regado
nem amor como o primeiro
mas lá há-de vir o de Agosto
que lhe dará pelo rosto
O céu que ordena à terra e o homem que gestua quantas vezes sem saber porquê nesses hábitos que lhe estão talvez impressos no genoma biológico e cultural e de memória colectiva ancestral, ajudado pela observação da azáfama das aves migradoras e dos bichos que saem da sua hibernação e se mostram para que se veja que a "vida acordou" do longo sono de Inverno mais uma vez, e mais uma vez vêm cumprir o seu destino no tempo cósmico exacto de se reproduzir para que a vida não acabe e sempre aconteça.
Por toda a terra e mar das zonas mais gelada às mais quentes a debandada de multidões dos mais variados animais cruzam milhares de quilómetros sem parar até chegar ao seu destino para cumprir os seus ciclos programados e inexoráveis e que estão dentro de nós e nos acordam os sentidos ao olhar os frutos de cada estação, ao cheirar os perfumes dos frutos e das flores e da terra molhada, ao olhar as folhas que caem e que de novo rebentam em botão, renovando-nos também alegria que até o tempo nevoento consome e o Sol que reaparece e nos sorri e faz sorrir, só porque lá está e convida a olhar para cima e ver os bandos de andorinhas regressarem aos mesmos ninhos que têm de refazer e que voltaram anunciando vida também, no céu anunciando um grande ciclo climácico e planetário e de nascimento cósmico.
A semente escondida debaixo da terra fértil em esforço para germinar rompe-se até ser vista e porque não a alma do homem em silêncio recolhido para a vida interior volta a procurar o sol. O pólen das flores masculinas encontra o ovário das flores femininas. Os bichos acasalam e os que estavam em hibernação voltam à luz e calor do dia. Saem das tocas. Já nada está escondido, incubado ou hibernado. Tudo sai para a dimensão do visível, renasce e agita-se – mostra-se.
Tempo da Festa da Primavera, sendo 21 de Março escolhido pelos homens para ser o Dia Mundial da Poesia, essa forma superior de usar as palavras, forma também simbólica que toca os arquétipos da alma humana que os compreende para além da própria palavra.
Equinócio da Primavera e da estação primeira – o recomeço da vida global em que a duração do dia é rigorosamente igual à da noite, em que a força do dia iguala a força da noite durante três dias e que, a partir daí, o dia recomeça a crescer até atingir o seu máximo no pino do Verão no solstício e a noite é mínima, opostamente ao solstício do Inverno, dia e noite iguais também no equinócio de Outono mas em que é o dia que desfalece até ao Natal.
Tempo que anuncia a Páscoa e a Ressurreição de Jesus, outra festa intermédia dos ciclos cósmicos anuais, que depois do Natal e do Seu nascimento e do novo sol do coração do homem e celebração da família, depois da purificação da Quaresma, morre então o Homem, para ressuscitar triunfante para glória do Pai e sua glória espiritual e, então sim, ir depois de "férias de verão" num contínuo vaivém das coisas do corpo e do espírito da terra, e do corpo e do espírito do homem ad eternum.
É a Sagração da Primavera e do tempo em que por amor tudo recomeça com toda a força de ser. É a festa da vida. Hino à vida e à alegria do despertar e do existir depois do silêncio e do frio e do jejum.
É a própria Força – força-amor do imanifestado para o manifestado da Criação e da Vida Primordial  ritmos e alternâncias revelados pelas paisagens que habitamos e pelo homem recriados.
Ritmos na Terra, no Céu e no Homem, que com a Primavera revela o máximo da força da vida; Primavera - a prova de existência da Vida - Sagração da Vida.
A neve derreteu
Nos píncaros da serra;
O gado berra
Dentro dos currais,
A lembrar aos zagais
O fim do cativeiro;
Anda no ar um perfumado cheiro
A terra revolvida;
O vento emudeceu;
O sol desceu;
A primavera vai chegar, florida.

Miguel Torga - Diário XI (1969)
Lisboa-Bairro de Santo.Amaro – 19 Março 2006
Maria.Celeste.Ramos 





A Cidade e o Carnaval, festa de antecipação do Equinócio da Primavera

A Cidade e o Carnaval, festa de antecipação do Equinócio da Primavera

O homem vive dia a dia os seus gestos quotidianos apercebendo-se de que são ritmados pelos ciclos do sol e do dia, da lua e da noite e é também pelo sol que se apercebe do ritmo das estações, o que o faz mudar os seus comportamentos nos períodos e ritmos de trabalho mas também de férias, aproveitando o sol no pino de verão para enxamear as praias um pouco por todo o mundo, podendo actualmente ir cada vez mais longe com a profissionalização da organização da viagem, o desenvolvimento dos transportes e das comunicações tornando o planeta cada vez mais pequeno e mais perto.
Assim o homem atento aos movimentos humanos aproveita-os para desenvolver economias algumas derivadas das novas circunstância e regenerando outras que adormeceram ou mesmo se extinguiram.
Focadas nas novas "peregrinações" o turismo é sempre o maior provocador mas também o responsável pela desmultiplicação de actividades económicas ligadas à cultura e religião, ao desporto mais descomprometido ou de valor internacionalizado, sendo que em paralelo nascem as indústrias do design e do vestuário específico para as diferentes ofertas de férias, para além da promoção da agricultura e da gastronomia locais e também renascimento de tradições.
Aproveitando o sol e as praias ou as bancas montanhas da neve nos locais já consagrados ou nos que se preparam, há uma imensa troca de usos e costumes pagãos e religiosos.
A distribuição do tempo de férias passou a ser feita ao longo de todo o ano e ao longo do planeta aproveitando-se também as festividades calendarizadas de cada país visitado provocando no caminho reverso, o conhecimento de outras partes do mundo através desses viajantes e ainda das mais modernas formas de comunicação e de publicidade da "oferta aliciando o prazer de viajar para locais antes exóticos" acordando lugares recônditos e esquecidos e que o "viajante identifica" e passa a cartografar num espécie de outro mapa mundi do que de mais belo e interessante, e diferente, o mundo oferece, tornando esses locais cada vez mais apetecíveis e de que os mass media também se apropriam para divulgar, para além de provocar também a publicação de livros de viagens, tornando tudo mais fácil e acessível.
Quem diria assim que só a partir dos meados do séc. XX estar queimado pelo sol deixou de ser sinal de inferioridade social atribuída aos trabalhadores do campo e do mar passando para o oposto como sinal de exibição das classes superiores "com o seu ar de mais saúde no corpo e na bolsa" e que a partir daí também são agentes de criação de novas economias de construção de transporte privado por terra ou mar, passando o turismo de massas e de transporte colectivo a ser feito em meios individuais de que os iates serão um exemplo notório, mas a que bem cedo a indústria naval e turística respondeu com a oferta de verdadeiras cidades flutuantes do mais luxuoso e inesperado, como se todos os ciclos da natureza que provocam o movimento diário de cada homem se transmitisse aos seus actos mais inesperados de criação contínua de riqueza e de bem-estar material a par do bem-estar em tempo de descanso e de férias desbravando o planeta por terra e pelo mar, movimento que não se confina nunca mais a um só país porque o homem quer ir sempre mais longe ou ao mais fundo do mar.
No solstício de verão o medo ocidental transformou-se em movimento económico, cultural e lúdico a que mais tarde se seguiu em paralelo o desenvolvimento das mais variadas indústrias ligadas ao solstício de Inverno com as Festas de Natal e de férias na neve.


As festas cósmicas das 4 estações foram interpretadas pelos homens primeiro pelos ligados à exploração da terra e do mar e posteriormente pelo homem urbano que acrescentou algo mais para o seu desenvolvimento e mesmo aproximação humana de classes e de raças e de linguajares, por sua vez redistribuindo mercados e saberes de que serão "mensageiros" os homens de negócio.
No solstício de Verão a terra culminou na sua oferta mais generosa de sol que tanto doira a nossa pele como doira os frutos e lhe acrescenta perfumes, enquanto no solstício de Inverno que culmina no Natal com nascimento de novo sol no coração do homem e quando a terra está mais despojada porque também ela parece precisar de fazer o seu descanso maior, mas continuando a formar o seu húmus para o período que se lhe seguirá no equinócio da primavera, se também o homem "acumulou no verão como a formiga bens para o Inverno", terá ainda a possibilidade de usufruir da beleza da neve e da cultura dos lugares frios de oferta diferente mas igualmente generosa, ciclos eternos do homem e da natureza cada vez aproveitados de forma mais consciente, fechando ciclos, mas alargando-os a cada vez mais homens e mais lugares, ao planeta inteiro que parece assim "conquistado"
Mas entre estes grandes ciclos equinociais e solsticiais, e os ciclos diários, há ciclos intermédios de que o Carnaval é um deles e que constitui festa de antecipação do equinócio da Primavera.
Calendarizado no mundo ocidental, poder-se-ia dizer que são três dias de folia em que "nada parece mal", espécie de limite de manifestação colectiva que fecha um "ciclo de compromissos e de trabalho porque as férias também já ficaram para trás" mas que imediatamente abre outro ciclo – o da Quaresma – , em que outro tipo de recolhimento é pedido ao homem, diferente do que foi pedido em tempo de Natal.

Do "excesso carnavalesco" em que Carnaval significa despedir da carne (carne-aval), passa-se ao oposto em que o homem religioso faz jejum e mesmo abstinência a partir da quarta-feira-de-cinzas (redução a pó e nada), para se preparar espiritualmente para a Páscoa da Ressurreição que se lhe seguirá, e se o corpo físico foi preparado no verão e de energias renovadas, é agora a vez da preparação espiritual durante 40 dias (os 40 dias que Cristo passou no Deserto que segue à Epifania depois do natal e do Dia de Reis) até ao Domingo de Ramos ou Domingo das Palmas em que cristãos e ortodoxos festejam a entrada de Jesus em Jerusalém a anunciar a Paz no mundo se houver Paz em Jerusalém.
Os calendários mundiais das festividades são os mais variados e focados na cultura e crenças locais havendo porém alguns que são praticamente comuns a todos os homens essencialmente ligados à religião como o Natal e Páscoa e o Carnaval, sobretudo no mundo ocidental.
O Carnaval em Portugal tem largas tradições por mais aculturado que tenha sido por outras culturas, e as suas origens perdem-se nos tempos para além da nacionalidade pois que pode remontar a milhares de anos, sobretudo em Trás-os-Montes, à cultura Celta, parecendo actualmente revestir o "desígnio da alma e do prazer" tendo no entanto por essência remota não apenas festejar o fim do Inverno mas também a morte (o pai velho que se queima na fogueira para que possa nascer o Pai novo), como antecipação do equinócio da Primavera de Abril.
O Carnaval é também motivação de grandes fluxos turísticos internos e internacionais e também um pico de dinâmica em vários sectores de actividade económica.
Ciclos e sub-ciclos do céu e da terra, do homem e da cidade.
Lisboa e Bairro de Santo Amaro
28 de Fevereiro de 2006
Maria.Celeste.d'Oliveira.Ramos